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Milo Araújo

Bike é brinquedo de criança?

ECOA

08/10/2019 09h53

Quando estou pedalando para o trabalho, é supercomum levar alguma fina dos motoristas seguida do grito: "Vai pra calçada! Aqui não é brincadeira, não!".

Vejam bem, o Código Brasileiro de Trânsito considera bicicletas como veículos, com direito a circularem pelas vias e com prioridade em relação aos automóveis. Com poucas ciclofaixas e sob ameaça na rua, são muitos os obstáculos que a pessoa sobre rodas precisa vencer para seguir pedalando. Isto posto, trago aqui um pedacinho do nosso Código.

Art. 21. Compete aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

(…)

II – planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e segurança de ciclistas.

Hoje eu vou levantar uma hipótese para tentar entender o motivo de as bicicletas serem um veículo de transporte tão subestimado, apesar dos seus inúmeros benefícios comprovados.

Seria por ser a bicicleta um dos mais tradicionais brinquedos infantis? Vamos pensar sobre.

Recentemente eu assisti a um documentário show de bola chamado Tarja Branca. Segue pequena sinopse:

"Brincadeira é coisa séria e não é só assunto de criança. É fazer o que se gosta, valorizar o prazer pessoal, colorir os dias. Vivemos em busca da felicidade e agora resta saber se estamos procurando no lugar certo."

Basicamente esse filme fala sobre como viver a vida de forma lúdica com brincadeiras e  prazer é essencial para se manter irrigado o solo da criatividade humana e também para a qualidade de vida. Também é colocado que o projeto capitalista para a sociedade destrói a subjetividade brincante da criança na virada da adolescência, retirando os elementos ligados à infância: a curiosidade, a experimentação, o prazer no ócio etc.

E a bicicleta também vai embora nesse momento. Afinal, o presente das crianças mais ricas quando fazem 18 anos é o quê? Um carro! O carro é o ritual burguês para a passagem adulta. Uns ganham e outros desejam. Ou seja, um ciclista adulto é um punhado de coisas na cabeça do motorista, que vai de uma pessoa imatura ("presa" na infância) até um socialista inconveniente.

Imagina que louco (e que ótimo) seria se déssemos dentro dos lares e escolas uma atenção especial para a questão da mobilidade urbana? Imagine a criança que fomos ouvindo algo assim: "Você não precisa largar sua bicicleta quando crescer. Você pode seguir, mais forte, habilidosa e saudável do que nunca. Carro pode ter suas praticidades, mas não é tudo". Talvez dessa forma não nos tratássemos como inimigos no momento de nos colocarmos no mundo.

Sobre a Autora

Milo Araújo é designer e diretora de arte, pedaleira, caminhadeira e agora escrevedeira. Aprendeu a andar de bike sem as mãos recentemente.

Sobre o Blog

O pedal da Milo entra em ação, de olho na mobilidade urbana. Aqui se fala sobre formas de transitar, ocupar e viver as cidades.