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Milo Araújo

Mulheres na Bike

ECOA

15/10/2019 09h50

Qualquer grupo ou organização que não seja uma auto-organização de mulheres requer para o seu total (auto) entendimento uma análise de gênero. Quantas são e quais posições ocupam as mulheres dentro do grupo? Os dados que sairão de tal pergunta serão os indicadores do nível de saúde social que o grupo se encontra. Um bom indicador, por exemplo, é o quanto as mulheres se encontram e se afetam dentro das estruturas do grupo.

Mas veja bem. Quando pergunto o quanto as mulheres se encontram e se afetam, não estou perguntando o quanto elas são amigas ou íntimas. O grande ponto é o poder da colaboração entre nós. Dito isso, gostaria de falar da minha experiência dentro do mundo urbano das bicicletas e as mulheres que ando encontrando no caminho.

Por conta da minha louca rotina publicitária paulistana (puta saco mêeooon) e outros motivos pessoais, eu opto por reservar minhas noites de pedal para o grupo Giro Preto. O Giro Preto é um pedal exclusivo para mulheres e homens pretos. Eu acredito verdadeiramente que ambientes mistos são grandes oportunidades para crescermos neste debate de gênero através do atrito que o encontro entre mulheres (que se colocam como feministas ou não) e homens pode gerar. Me divirto horrores, na real. Como a maioria das minhas amizades masculinas do GP estão na disposição de aprenderem e superarem suas questões com a masculinidade tóxicas, entre trancos e barrancos vamos pedalando juntos.

Ocasionalmente, quando a disposição ataca, eu dou uma passeada em um pedal de mulheres aqui de São Paulo chamado Vespas Bike Gang. Lembro das impressões que tive depois da minha primeira pedalada junto delas e vou contar aqui pra vocês no decorrer da leitura.

Primeiro que, já de cara, você não se sente avaliada. Aquela sensação bastante conhecida de quando a gente, mulher, cola em algum rolê majoritariamente masculino (quase todo rolet que não é nichado na temática do universo feminino, rs) e vários caras nos encaram pensando em como a gente não conhece do assunto do encontro. Para eles, em tese, só estamos ali para chamar atenção, desfocar os caras e/ou arrumar um macho. Essa desconfortável sensação não existe no rolê das Vespas, por conta da ausência da presença masculina.

Se tem uma coisa que eu descobri pedalando só com mulheres é que a distância que você percorre é diretamente proporcional a quantidade de assédios que você recebe. A diferença do impacto na rua entre um pedal misto e um pedal só de mulheres é gritante. Misturadas com o barulho do vento, ouvi frases do tipo:

"Olha o tanto de mulher de shortinhos."

"Queria ser atropelado por você."

"Me leva com você."

"Depois a gente derruba uma menina dessas. Ai já viu."

Isso só mostra a importância da gente colocar nosso corpos na rua, mostrando que nosso lugar não é nas esferas privadas. Provando que não é por quê estamos no espaço público que o nosso corpo é público. Outro ponto que devo colocar aqui é o seguinte: se precisamos criar grupos de enfoque identitários dentro de algum esporte, significa necessariamente que ele não é inclusivo. Se no mundo da bike é necessário existir Giro Preto, Vespas, Garotas Mountain Bike, Ninja Fixed Girls, Brutas MTB, Bucicletílicas, Velosapas, Calangas, etc, é por quê o ciclismo é dominado por homens brancos. É necessária a reflexão profunda dos grupos para fomentar os espaços seguros dentro de suas estruturas, e não apenas aliviarem suas culpas apoiando iniciativas como as citadas acima.

Você, leitora que quer começar a pedalar mas não se sente confortável em lugares mistos, procure o pedal de minas da sua região. Se ele não existir, por não começar você mesma o seu grupo?

Sobre a Autora

Milo Araújo é designer e diretora de arte, pedaleira, caminhadeira e agora escrevedeira. Aprendeu a andar de bike sem as mãos recentemente.

Sobre o Blog

O pedal da Milo entra em ação, de olho na mobilidade urbana. Aqui se fala sobre formas de transitar, ocupar e viver as cidades.