Topo

Milo Araújo

Aproveitar o caminho é um ato político

ECOA

21/10/2019 11h02

É muito maluco como um trajeto pode mudar completamente dependendo do meio de transporte que você usa. Aconselho fortemente você, leitora ou leitor, a esporadicamente fazer este tipo de experimentação.

Existem umas esquinas que você pode ter passado mil vezes por ela de carro ou busão, mas nunca vai prestar atenção como quando você passa na calma da força motriz do corpo. As vezes tem um muro com aquela mensagem que você precisava ler, uma árvore frutífera que vai te trazer uma memória afetiva muito positiva e por aí vai. Eu sempre faço e recomendo: andar descompromissadamente reparando bem nas coisas é uma sensação muito gostosa. 

Existe um termo francês do qual eu sou grande entusiasta: o flâneur. Basicamente, o conceito de flâneur é sobre nos colocarmos dentro do tempo da contemplação, e não apenas no da correria da cidade. O tempo do humano urbano é sempre curto, sempre atrasado. Nunca existe momento para apreciação do seu caminho. O seu entorno é um borrão dentro da afobação de chegar ao destino e resolver suas tarefas. E quando se fala do ser periférico, esse quadro fica mais alarmante, trabalhando dentro desta lógica bairro dormitório-trabalho no centro-bairro dormitório. Quando entramos num estado flâner, nossas prioridades mudam um pouco. Damos mais valor aos pequenos momentos e às sensações boas que esses momentos nos trazem. E vamos combinar: isso tem tudo a ver com uma boa pedalada ou mesmo com uma calma caminhada, não é mesmo?! 

E por que não mesclar nossas epopeias diárias com os momentos de contemplação das nossas próprias vidas? Por que quando o trajeto de bicicleta é o mesmo tempo de um trajeto de ônibus, preferimos ir apertadas e paradas? E por que não, sempre que der, passar de um ponto para outro através de uma caminhadinha? Em vários momentos o nosso trajeto acaba sendo mais maçante do que os nossos trabalhos, no final das contas. Precisamos entender que os hábitos de caminhada e pedalada são muito necessários para a nossa saúde mental. Desenvolvê-los será essencial para dar seguimento à ascensão do povo periférico, que é a população mais atingida pela precarização do transporte e pela falta de investimento na área de mobilidade urbana. Quanto mais autônomos nos tornarmos, melhor!

Sobre a Autora

Milo Araújo é designer e diretora de arte, pedaleira, caminhadeira e agora escrevedeira. Aprendeu a andar de bike sem as mãos recentemente.

Sobre o Blog

O pedal da Milo entra em ação, de olho na mobilidade urbana. Aqui se fala sobre formas de transitar, ocupar e viver as cidades.